sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

O fio das Missangas - Mia Couto

“É preciso entender que os meninos estão deixando de ler os livros porque estão deixando de ler o mundo, de ser capaz de ler os outros, de ler a vida. Estão perdendo a disponibilidade de estar aberto aos demais, estar atentos às vozes, saber escutar. Há toda uma pedagogia que é preciso ser feita no conjunto. Não se pode isolar o livro e torná-lo como se fosse bandeira única desta luta. Uma coisa que aprendo na África é esta habilidade de se contar histórias e fazer com que o livro seja uma maneira de estimular, que os meninos não sejam só consumidores de história, mas também produtores de história. Quem não sabe contar uma história é pobre de alguma maneira.”







(Mia Couto, para revista ISTOÉ, sobre como estimular o gosto pela leitura.)



“Ensinaram-me tanta vergonha em sentir prazer, que acabei sentindo prazer em ter vergonha”



“E nem inveja eu sentiria. Mais do que o dia seguinte, eu esperava pela vida seguinte.”


“O espelho me devolve a minha antiquíssima vaidade de mulher, essa que nasceu antes de mim e a que nunca pude dar brilho.”


“Agora reparo: afinal, nem envelheci. Envelhecer é ser tomado pelo tempo, um modo de ser dono do corpo. E eu nunca amei o suficiente. Como a pedra que não espera nem é esperada, fiquei sem idade”


“A meu homem deram transfusão de sangue. Para mim, o que eu queria era transfusão de vida, o riso me entrando na veia até me engolir, cobra de sangue me conduzindo a loucura.”


“Você marido, enquanto vivo me impedia de viver. Não me vai fazer gastar mais vida, fazendo demorar. Infinita, despedida.”


“Tínhamos não camas separadas, mas sonos apartados.”


“Ninguém nota o fio que, em colar vistoso, vai compondo as “missangas”. Também assim é a voz do poeta: um fio de silêncio, costurando o tempo.” Mia Couto


“A mim, quando me deram a saia de rodar, eu me tranquei em casa. Mais que fechada, me apurei invisível, eternamente nocturna. Nasci para cozinha, pano e pranto. Ensinaram-me tanta vergonha em sentir prazer, que acabei sentindo prazer em ter vergonha.”


“No dia seguinte, as outras chegariam e me falariam do baile, das lembranças cheias de riso matreiro. E nem inveja sentiria. Mais que o dia seguinte, eu esperava ela vida seguinte.”


“Minha mãe nunca soletrou meu nome. Ela se calou no primeiro choro, tragada elo silêncio.”


“Há um rio que atravessa a casa. Esse rio, dizem, é o tempo. E as lembranças são peixes nadando ao invés da corrente. Acredito sim, por educação. Mas, não creio. Minhas lembranças são aves. A haver inundação é de céu, repleção de nuvem. Vos guio por essa nuvem, minha lembrança.”


“Há muitos sóis. Dias é que só há um.”


“A realidade é uma rasteira, feita de peso e de pés na terra.”


“Menti que sim. Afinal, mais valia um pássaro. Mesmo de fingir. Deixássemos Zuzé voar, ele já não tinha onde tombar. Neste mudo, não há pouso para aves dessas. Onde ela anda, é outro céu.”


“Que aquilo provinha de ele Ter existência limpa: lhe dava a requerida leveza. Fosse um político e, com o peso da consciência, desfechava logo de focinho. Outros se opunham: naquele estado de pelicano, o cidadão fugia de suas dívidas. Ninguém cobra no ar.


“Mas eu sabia que não. O barco estava ainda muito cru, a madeira tinha ainda vontade de raiz. Nosso tio não tinha feito um barco para flutuar. Isso fazem todos, disse, é tudo barcos, uns iguais e outros também.”


“...desde nascença o pudor adiou o amor.”


“Uma tristeza de nascença me separa do tempo.”


“Os braços se atropelavam, disputavam as magras migalhas. Em casa de pobre ser o último é ser nenhum.”


“...quando secar o rio estarei onde? E ele me respondeu : o rio vive dentro de si, o barco é que secará.”


“Só a lágrima me desnudava, só ela me enfeitava. Na lágrima flutuava a carícia desse homem que viria. Esse aprincesado me iria surpreender. E me iria amar, em plena tristeza. Esse homem me daria por fim, um nome. Para o meu apetite de nascer, tudo seria pouco, nesse momento.”

Nenhum comentário:

Postar um comentário