domingo, 31 de outubro de 2010

Sob o olhar masculino

Ergue-se a nova mulher dos 40,
Presente em chamas de vida!
Sorriso sensível e bravio,
Beleza emotiva,
Compasso festivo.
Aninha-se em sonhos incomuns e expressivos
Para além do verso des-palavrado
Do íntimo fazer poético.
A lentidão das suas lembranças
Afaga a mansa brisa 
Que chega em alívio da ausência!
Esta mulher
Toca a maviosa terra
Que lhe aprofunda o saber / sabor!
Deserta a nostalgia,
Toma iniciativas,
Sonha o florir do seu corpo
Em vagas amaciantes e quentes
Que cobrem a arte do fazer amor!
...



José Nunes

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

LENDO LOLITA EM TEERÃ (AZIR NAFISI)

LENDO LOLITA EM TEERÃ(Azar Nafisi)

“Terra , para quem colocamos em todos os lugares os imensos espelhos, na esperança de que serão preenchidos
E assim permanecerão? Czeslaw Molosz, Annalena

“...não menospreze, sob qualquer circunstância, uma obra de ficção tentando transformá-la numa cópia fiel da vida real; o que procuramos na ficção é muito menos a realidade do que uma epifania da verdade.”

“ Suas ausências persistem como uma dor aguda que parece não ter justificativa física. Assim, é Teerã para mim: sua ausência é mais real do que sua presença”

“(...) usando as palavras de Humbert, o poeta/criminosos de Lolita,preciso que você, leitor, nos imagine, pois que não existimos se você não existir. Contra a tirania do tempo e da política, nos visualize de um jeito que nem nós mesmas ousaríamos: nos imagine em nossos momentos privados e secretos,naquilo que é mais comum em nossas vidas, ouvindo música, nos apaixonando, andando pelas ruas sombrias, ou lendo Lolita em Teerã. E então nos imagine com tudo isso confiscado, arrancando de nós.”

(...) quando me lembro de sua voz, percebo que nunca vivi de acordo com as expectativas dela(mãe). Nunca me tornei a dama que ela tentou me forçar a ser.”
“Pegando emprestadas as palavras de Nabokov, experimentávamos o modo como as pessoas comuns podiam transformar suas vidas em algo valioso por meio do olho mágico da ficção.”

“Você não entende o modo como eles pensam. Eles não aceitarão o seu pedido de demissão porque acreditam que você não tem o direito de sair.”

“Queria dar aula para um pequeno grupo de estudantes que se comprometessem com o estudo da literatura, estudantes que não tivessem sido escolhidos pelo governo, que não tivessem escolhido a literatura inglesa só porque não foram aceitos em outras disciplinas, ou porque pensaram que possuir um diploma em inglês seria bom para carreira deles.”

“Lecionar na República Islâmica,como qualquer outra vocação significa servilismo à política e submissão a regras arbitrárias. A alegria de ensinar sempre frustrada pelos subterfúgios e pelas imposições do regime – como ensinar quando a maior preocupação dos funcionários das universidades não era a qualidade do trabalho que se fazia, mas a cor dos lábios ou o potencial subversivo de uma única mecha de cabelo?”

“A realidade se tornou tão insuportável, ela respondeu, tão árida, que tudo que consigo pintar agora são as cores dos meus sonhos.”

“Manna era uma dessas pessoas que conseguiam sentir o êxtase, mas não a felicidade.”

“Não buscávamos uma solução fácil, mas tínhamos a esperança de encontrar um elo entre os espaços abertos que os romances ofereciam e os espaços em que estávamos confinadas. Lembro-me de ler para elas a afirmação de Nabokov de que “os leitores nasceram livres e devem permanecer livres.””

“A cor do chá e o aroma sutil são indicação do talento de quem o prepara.”

“Invitation to a Beheading começa com a notícia de que seu frágil herói, Cincinnatus C., foi condenado à morte pelo crime de torpeza gnóstica : em um lugar onde todos os cidadãos são obrigados a ser transparentes, ele é opaco.”

“Poshlust, Nabokov explica, “não é só obviamente inútil, mas, principalmente o falsamente importante, , o falsamente belo, o falsamente inteligente, o falsamente atraente.”

O que Nabokov capturou foi a textura da vida numa sociedade totalitária, onde se está completamente sozinho num mundo ilusório cheio de falsas promessas, onde não é mais possível diferenciar entre sue salvador e seu carrasco.”

“A cultura em que vivíamos negava o mérito das obras literárias, considerando-as importantes apenas quando eram criadas para algo aparentemente mais urgente – a ideologia.Esse era um país onde todos os gestos, mesmo o mais privativo, eram interpretados em termos políticos.”

“Nossa vida era governada por uma absurda ficcionalidade. Tentamos viver em espaços criados nas frestas entre aquela sala, que tornara nosso casulo protetor, e o mundo do censor, de bruxas e de demônios que ficava do lado de fora. Qual desses dois mundos era mais real, e a qual pertencíamos?”

quinta-feira, 24 de junho de 2010

Antes de nascer o mundo(Mia Couto)



“Ali existíamos tão sós que nem doença sofríamos e eu acreditava que éramos imortais.”

“Ninguém é de uma raça. As raças são fardas que vestimos.”

“A família, a escola, os outros, todos elegem em nós uma centelha promissora, um território em que poderemos brilhar. Uns nasceram para cantar, outros para dançar, outros simplesmente para serem para serem outros. Eu nasci para estar calado.Minha única vocação é o silêncio. Foi meu pai que me explicou : tenho inclinação para não falar, um talento para apurar silêncios. Escrevo bem, silêncios, no plural. Sim, porque não há um silêncio. E todo silêncio é música em estado de gravidez.”

“Este é o silêncio mais bonito que já escutei até hoje(...) Ficar devidamente calado requer anos de prática. Em mim,era um dom natural, herança de algum antepassado. Talvez fosse legado de minha mãe, Dona Dordalma, quem podia ter certeza? De tão calada,ela deixara de existir e nem se notara que já não vivia entre nós, os vigentes viventes.”

“Meu pai. A voz dele era tão discreta que parecia uma outra variedade de silêncio.”

(...)  e se afastou para um recanto para se derramar em pranto.”

"O sonho é uma conversa com os mortos, uma viagem ao país das almas. Mas já não havia nem falecidos nem território das almas. O mundo tinha terminado e o seu final era um desfecho absoluto : a morte sem mortos.”

“ _ Essa casa – disse meu pai – é habitada por sombras e governada de lembranças.”

“Viver? Ora, viver era cumprir sonhos, esperar notícias.(...) a vida é demasiado preciosa para ser esbanjada num mundo desencantado.”

“Quem viveu pregado a um só chão não sabe sonhar com outros lugares.”

“Se houvesse abraço de mãe teria que ter sido assim, nesse desmaio sem sentido.”

“As árvores ventadas, convertiam-se em pessoas, eram mortos que se lamentavam, a querer arrancar suas próprias raízes.”

“Esperas. É isso que a estrada traz. E são as esperas que fazem envelhecer.”

“Minha mãe morrera não porque tenha deixado de viver, mas porque havia separado o seu corpo do meu. Todo nascimento é uma exclusão, uma mutilação. Fosse vontade minha eu ainda seria parte do seu corpo, o mesmo sangue nos banharia. Diz-se “parto”. Pois seria mais acertado dizer “partida”. E eu queria corrigir aquela partida.”

“Você deve ter medo é de não saber.Depois da leitura vou lhe ensinar a escrever. (...) Um pequeno graveto rabiscava na areia do quintal e eu, deslumbrado, sentia que o mundo renascia como a savana depois das chuvas.(...) A escrita era uma ponte entre tempos passados e futuros, tempos que, em mim, nunca chegaram a existir.”

“Quanto mais decifrava as  palavras, minha mãe , nos sonhos, ganhava voz e corpo. O rio me fazia ver o outro lado do mundo. A escrita me devolvia o rosto perdido de minha mãe.”




quinta-feira, 29 de abril de 2010

VIDA INCONDICIONAL(DEEPAK CHOPRA)

...”buraco significativo”, uma ausência que não pode ser definida, exceto para dizermos que ela é dolorida. Mesmo não podendo analisar o efeito que esta falta de significado está exercendo em sua vida, as pessoas o sentem. “Em resultado disso, surge uma tristeza doentia, que tolda até mesmo as coisas mais agradáveis.”

“A vida que eu levava não tinha muito significado antes de eu ser obrigado a sair dela.”

“Será a vida tão terrível que a fuga é a maior recompensa que ela proporciona?”

“Tenho a firme convicção de que o medo da morte é altamente prejudicial e tem de ser dominado em seu nível mais profundo.”
“As pessoas têm de se transformar antes da crise. Se não agirem assim, poderão se ver sem tempo suficiente para gozar a vida que de repente passe a lhes parecer extremamente proveitosa.”
“Ele odiava sua doença, mas tinha de admitir que ela lhe abrira oportunidades que antes lhe eram negadas pelo seu “modo” normal de viver. ”.

“Quando parei de me preocupar com as minhas metas absurdas, metas que eu que se afunda na desordem. carregava como um fardo durante toda a vida adulta por um tipo de experiência  de libertação, que foi também um tipo de morte. No entanto, senti que nada melhor me havia acontecido antes.Cada vez mais comecei a perceber que “morrer” todo  dia seria o modo ideal de viver, porque cada nova manhã se apresentaria realmente nova. E como a vida pode ser nova, a não ser que se aprenda a morrer?”

“Quando velhas palavras morrem na língua, novas melodias brotam do coração.” Rabindranath Tagore

“A morte é inevitável, é uma parte natural da vida, e o que eu havia percebido, o que me dava tanta paz de espírito, era que morrer pode ser uma aventura.”

“O que a mantém é a inegável percepção de que pensamentos e sentimentos não podem ser isolados dos efeitos físicos que criam. A ciência não enfrentava a realidade até aceitar que a doença está ligada às emoções, crenças e expectativas da pessoa.”

“Para o leigo, o comportamento do caos parece perturbador e humano demais. Partículas de poeira que colidem entre si num raio de sol podem ser o retrato de uma multidão de solitários; a nuvem de fumaça pode, representar relacionamentos pessoais que não duram muito antes de acabarem sem mais nem menos.”

“A teoria do caos tenta explicar a ordem mais profunda que poderia existir sob o incessante jogo de criação e destruição da natureza. Nesse sentido ela é uma ciência otimista, porque cada nova camada de ordem surge como garantia, pelo menos para o leigo, de que a natureza faz sentido. Por outro lado, por que essa ordem se mantém imóvel? Porque não é assim que a natureza funciona, pelo menos na aparência. Para cada camada de ordem existe uma outra.”

“O caos pode ser um assunto interessante para a ciência, mas não é um modo de viver. A falta de significado dói demais. Os grandes cientistas exploradores que invadiram o coração da natureza, pretendendo desmanchar o núcleo dos átomos de hidrogênio e medir os mais distantes horizontes do espaço- tempo, esqueceram que para cada entrada existe uma saída. Para chegar a algum lugar você precisa sair de outro lugar. Isso significa que quando mais fundo o homem pretende explorar a natureza “lá fora” maior é o perigo de que possa a própria natureza humana, a realidade do “aqui dentro”, ficará abandonada.”

“O fato é que nutrimos o corpo com os impulsos da confiança e do amor, e o envenenamos com a desconfiança e o ódio.”




“Nossa cultura prefere acreditar que a doença é basicamente criada no nível material.”

“A dor da perda também se aloja no fundo de uma pessoa e, apesar de uma fibra de amianto vinda “de fora” ser bem diferente do luto, em algum nível profundo do ser eles agem de forma idêntica. O fato é que nutrimos o corpo com impulsos da confiança e amor, e o envenenamos com desconfiança e o ódio.”.

“(...) as imagens felizes que alegram nossos corações podem ser muito parecidas, mas suas memórias possuem um sabor pessoal que nunca poderei experimentar.”
“Tudo o que uma pessoa vivencia tem de passar por um filtro mental antes de ser registrada como real, o que significa que estamos constantemente fazendo realidade.”

“A mente não se demora em abstrações e prefere as coisas concretas. Portanto, quando surge um impulso de medo, ela logo procura ligá-lo a algo tangível.”

“Quando você começa a perceber que seus pensamentos mais queridos talvez sejam apenas reflexos, surgirá sem dúvida o desejo de libertar. Então, em lugar de se convencer disso por intermédio dos estímulos da dor e prazer, você passará a ver a possibilidade de uma nova perspectiva. (...) Sua percepção interna tem uma importância fundamental, na realidade que você vive.”

“O que desejo que você entenda é que é possível a liberdade de ter qualquer ponto de vista de sua escolha em, portanto, qualquer realidade. O que constrói sua realidade é seu ponto de vista básico, embora eu saiba que é quase impossível você ver isso agora. Se voltar a esse ponto de vista básico, você não se verá mais como uma vítima da vida. Na verdade, estará no real centro da vida e terá o poder de renová-la a cada instante.”

“Se você olhar atentamente a sua volta, verá que a natureza não faz nada senão curar”. Estrelas explodem, mas também são constantemente criadas; células morrem, mas também se dividem para produzir descendentes que levam o ADN à frente.
Sob essa luz, a vida se mostra como um milagre de renovação. Toda a ordem que se dissolve no caos volta como um tipo de ordem. Tudo o que a vida entrega à morte está continuamente remanescendo. A dança dos raios do Sol no mar, o verde luxuriante dos vales alpinos, a inocência das crianças, as mãos frágeis de uma velha que ainda retém sua graça apesar das marcas do tempo – todas essas coisas existem independentemente de nossos humores, esperando ser notados pela alegria que de fato contêm. Quando os pacientes passam por um a experiência de conversão, o que muda é seu modo de ver essas coisas e não a realidade em sim.
Quando nos damos conta de que a natureza contém a cura e a destruição entrelaçadas, surge a desconfiança de que todos os males que as pessoas sofrem são basicamente auto-infligidos. “Vemos nuvens em vez do arco-íris e as culpamos pela depressão que causam.”


“A mente rejeita violentamente qualquer sugestão de que sua dor, tão intensa e incontrolável, foi auto-infligida. No entanto, a dor nos chega através da conexão mente-corpo. Compreendido isso, nada mais lógico que entender que a conexão funciona nos dois sentidos. Se está provado que certas substâncias químicas do cérebro fazem as pessoas sentirem-se bem, não se pode negar a existência de outras que as fazem sentir-se deprimidas, doentes e sem esperança.”


quinta-feira, 8 de abril de 2010

Thiago de Mello

As Ensinanças da Dúvida '

Tive um chão (mas já faz tempo)
todo feito de certezas
tão duras como lajedos.

Agora (o tempo é que o fez)
tenho um caminho de barro
umedecido de dúvidas.

Mas nele (devagar vou)
me cresce funda a certeza
de que vale a pena o amor. 

Thiago de Mello


sábado, 13 de março de 2010

Manoel de Barros - O livro das Ignorãças

O Livro da Ignorãças

Toda vez que encontro uma parede
ela me entrega às suas lesmas.
Não sei se isso é uma repetição de mim ou das
lesmas.
Não sei se isso é uma repetição das paredes ou
de mim.
Estarei incluído nas lesmas ou nas paredes?
Parece que lesma só é uma divulgação de mim.
Penso que dentro de minha casca
não tem um bicho:
Tem um silêncio feroz.
Estico a timidez da minha lesma até gozar na pedra.

Descobri aos 13 anos que o que me dava prazer nas
leituras não era a beleza das frases, mas a doença
delas.
Comuniquei ao Padre Ezequiel, um meu Preceptor,
esse gosto esquisito.
Eu pensava que fosse um sujeito escaleno.
- Gostar de fazer defeitos na frase é muito saudável,
o Padre me disse.
Ele fez um limpamento em meus receios.
O Padre falou ainda: Manoel, isso não é doença,
pode muito que você carregue para o resto da vida
um certo gosto por nadas...
E se riu.
Você não é de bugre? - ele continuou.
Que sim, eu respondi.
Veja que bugre só pega por desvios, não anda em
estradas -
Pois é nos desvios que encontra as melhores surpresas
e os ariticuns maduros.
Há que apenas saber errar bem o seu idioma.
Esse Padre Ezequiel foi o meu primeiro professor de
gramática.

O mundo meu é pequeno, Senhor.
Tem um rio e um pouco de árvores.
Nossa casa foi feita de costas para o rio.
Formigas recortam roseiras da avó.
Nos fundos do quintal há um menino e suas latas
maravilhosas.
Todas as coisas deste lugar já estão comprometidas
com aves.
Aqui, se o horizonte enrubesce um pouco, os
besouros pensam que estão no incêndio.
Quando o rio está começando um peixe,
Ele me coisa
Ele me rã
Ele me árvore.
De tarde um velho tocará sua flauta para inverter
os ocasos.

Quando as aves falam com as pedras e as rãs com as águas - é de poesia que estão falando.

Quem anda no trilho é trem de ferro, sou água que corre entre pedras: liberdade caça jeito.

 Cristo foi um dos grandes poetas do mundo - tanto que 20 séculos já passaram por cima de suas palavras e elas são vivas e reviçadas todos os dias. 

A maior riqueza do homem
é a sua incompletude.
Nesse ponto sou abastado.
Palavras que me aceitam como
sou - eu não aceito.
Não agüento ser apenas um
sujeito que abre
portas, que puxa válvulas,
que olha o relógio, que
compra pão às 6 horas da tarde,
que vai lá fora,
que aponta lápis,
que vê a uva etc. etc.
Perdoai
Mas eu preciso ser Outros.
Eu penso renovar o homem
usando borboletas.
Passava os dias ali, quieto, no meio das coisas miúdas. 
E me encantei.

O maior apetite do homem é desejar ser. 
Se os olhos vêem com amor o que não é, tem ser.

Sou livre para o silêncio das formas e das cores.

Natureza é uma força que inunda como os desertos.

Sou mais a palavra ao ponto de entulho.
Amo arrastar algumas no caco de vidro,
envergá-las pro chão, corrompê-las, -
até que padeçam de mim e me sujem de branco.

Por viver muitos anos dentro do mato
Moda ave
O menino pegou um olhar de pássaro -
Contraiu visão fontana.
Por forma que ele enxergava as coisas
Por igual
como os pássaros enxergam.

As flores dessas árvores depois nascerão mais perfumadas.

Tentei descobrir na alma alguma coisa mais profunda do que não saber nada sobre as coisas profundas.
Consegui não descobrir.

No fim da tarde, nossa mãe aparecia nos fundos do quintal : 
Meus filhos, o dia já envelheceu, entrem pra dentro.

Um fim de mar colore os horizontes.

...que a importância de uma coisa não se mede com fita métrica nem com balanças nem barômetros etc. 
Que a importância de uma coisa há que ser medida pelo encantamento que a coisa produza em nós.

Eu via a natureza como quem a veste. Eu me fechava com espumas.

A mãe reparou que o menino
gostava mais do vazio
do que do cheio.
Falava que os vazios são maiores
e até infinitos.

Afundo um pouco o rio com meus sapatos.
Desperto um som de raízes com isso
A altura do som é quase azul.

Eu precisava de ficar pregado nas coisas vegetalmente e achar o que não procurava.

Poesia é voar fora da asa.

Quando o mundo abandonar o meu olho.
Quando o meu olho furado de beleza for esquecido pelo mundo.
Que hei de fazer.

Sou hoje um caçador de achadouros da infância. 
Vou meio dementado e enxada às costas cavar no meu quintal vestígios dos meninos que fomos.

O mundo não foi feito em alfabeto. 
Senão que primeiro
em água e luz. 
Depois árvore.

A voz de um passarinho me recita.

Senhor, ajudai-nos a construir a nossa casa
com janelas de aurora e árvores no quintal.
Árvores que na primavera fiquem cobertas de flores
e ao crepúsculo fiquem cinzentas como a roupa dos pescadores.
O que desejo é apenas uma casa. 
Em verdade, Não é necessário que seja azul, 
nem que tenha cortinas de rendas.
Em verdade, nem é necessário que tenha cortinas.
Quero apenas uma casa em uma rua sem nome.

Sem nome, porém honrada, Senhor. 
Só não dispenso a árvore,
Porque é a mais bela coisa que 
nos destes e a menos amarga.
Quero de minha janela sentir 
os ventos pelos caminhos, e ver o sol 
Dourando os cabelos negros 
e os olhos de minha amada.

Também a minha amada não dispenso, meu Senhor.
Em verdade ele é a parte mais importante deste poema.
Em verdade vos digo, e bastante constrangido, 
Que sem ela a casa também eu não queria, 
e voltava pra pensão.



Ao menos, na pensão, eu tenho meus amigos 
E a dona é sempre uma senhora 
do interior que tem uma filha alegre.
Eu adoro menina alegre, 
e daí podeis muito bem deduzir
.
Que para elas eu corro nas minhas horas de aflição.

Nas minhas solidões de amor e 
nas minhas solidões do pecado
Sempre fujo para elas, quando não fujo delas, de noite,
E vou procurar prostitutas. Oh, Senhor vós bem sabeis
Como amarga a vida de um 
homem o carinho das prostitutas!

Vós sabeis como tudo amarga 
naquelas vestes amassadas
Por tantas mãos truculentas ou tímidas ou cabeludas
Vós bem sabeis tudo isso, e portanto permiti
Que eu continue sonhando com a minha casinha azul.

Permiti que eu sonhe com 
a minha amada também, porque: 
- De que me vale ter casa sem ter 
mulher amada dentro? 
Permiti que eu sonhe com uma que ame 
andar sobre os montes descalça
E quando me vier beijar faça-o 
como se vê nos cinemas...

O ideal seria uma que amasse fazer comparações
de nuvens com vestidos, e peixes com avião; 
Que gostasse de passarinho pequeno, 
gostasse de escorregar no corrimão da escada 
E na sombra das tardes viesse pousar 
Como a brisa nas varandas abertas...



O ideal seria uma menina boba: 
que gostasse de ver folha cair de tarde...
Que só pensasse coisas leves que nem existem na terra,
E ficasse assustada quando ao cair da noite
Um homem lhe dissesse palavras misteriosas ...
O ideal seria uma criança sem dono, 
que aparecesse como nuvem,
Que não tivesse destino nem nome - 
senão que um sorriso triste 
E que nesse sorriso estivessem encerrados
Toda a timidez e todo o espanto 
das crianças que não têm rumo...

Gosto de viajar por palavras do que de trem.

Só quem está em estado de palavra pode
enxergar as coisas sem feitio.

Poetas e tontos são feitos com palavras
Ninguém é pai de um poema sem morrer.
“a tarefa mais lídima da poesia é a 
de equivocar o sentido das palavras”

Poesia é a loucura das palavras.

Difícil fotografar o silêncio.
Entretanto tentei. Eu conto:
Madrugada, a minha aldeia estava morta. Não se via ou ouvia um barulho, ninguém passava entre as casas. Eu estava saindo de uma festa,.
Eram quase quatro da manhã. Ia o silêncio pela rua carregando um bêbado. Preparei minha máquina.
O silêncio era um carregador?
Estava carregando o bêbado.
Fotografei esse carregador.
Tive outras visões naquela madrugada. Preparei minha máquina de novo. Tinha um perfume de jasmim no beiral do sobrado. Fotografei o perfume. Vi uma lesma pregada na existência mais do que na pedra.
Fotografei a existência dela.
Vi ainda um azul-perdão no olho de um mendigo. Fotografei o perdão. Olhei uma paisagem velha a desabar sobre uma casa. Fotografei o sobre.
Foi difícil fotografar o sobre. Por fim eu enxerguei a nuvem de calça.
Representou pra mim que ela andava na aldeia de braços com maiakoviski – seu criador. Fotografei a nuvem de calça e o poeta. Ninguém outro poeta no mundo faria uma roupa
Mais justa para cobrir sua noiva.
A foto saiu legal.

Melhor jeito que achei para me conhecer foi fazendo o contrário.

A inércia é o meu ato principal.

Meu fado é de não entender quase tudo.
Sobre o nada eu tenho profundidades.

“(…) E, aquele
Que não morou nunca em seus próprios abismos
Nem andou em promiscuidade com os seus fantasmas
Não foi marcado. Não será exposto
Às fraquezas, ao desalento, ao amor, ao poema.